* por Paulo Fernandes para rockontro.org
.
“O FORTUNA” DE CARL ORFF
As histórias de cavalaria me fascinam desde criança. Toda aquela pompa de nobres cavaleiros e seu código de conduta, as batalhas, as justas e o amor, quase nunca consumado, por donzelas virtuosas, ocupou um bom lugar no meu imaginário infanto-juvenil.
Dentre todas as lendas medievais, a história do Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda é a que mais me encantava. Não existe comprovação histórica da existência de Artur. Especula-se que ele tenha sido um líder tribal bretão que resistiu às invasões dos saxões à Grã Bretanha no século V. A imagética do Rei Artur – com a qual estamos acostumados hoje – foi compilada de várias fontes cerca de seiscentos anos depois. Daí o anacronismo entre a época em que teria vivido o Artur histórico e sua representação de séculos adiante: nas roupas, costumes, armas, construções, etc.
Porém como diz a máxima “Se a lenda é mais interessante que a realidade, publique-se a lenda”. E foi deste último Rei Artur – vestido em uma reluzente armadura e vivendo em um imponente castelo gótico – que eu aprendi a gostar. Ainda mais quando li um livro da “Coleção Clássicos da Literatura Juvenil”, da Abril Cultural, baseado numa das obras mais importantes sobre o lendário rei: “A Morte de Artur” do inglês Thomas Malory, publicado em 1485.
Em 1981 foi lançado aquele que considero o filme definitivo sobre a lenda arturiana: “Excalibur” de John Boorman. Baseado no livro de Malory, é um filme deslumbrante até hoje e que não conseguiu ser superado em sua força e beleza pelas obras posteriores que foram realizadas. O nome do filme se refere à mítica espada do Rei Artur.
Os grandes personagens deste filme são Merlin, O Mago – interpretado brilhantemente por Nicol Williamson – que dá um tom ora divertido ora profundamente filosófico à história e o seu contraponto feminino: Morgana, A Fada, papel de Helen Mirren. As disputas entre os dois magos interferem a todo momento nos destinos dos meros mortais.
Outra coisa que me faz amar este filme – e tê-lo entre os meus prediletos – é sua trilha sonora recheada principalmente com trechos de obras de Richard Wagner – outro artista que ajudou bastante a sedimentar a “lenda dourada” em torno da Idade Média com suas monumentais óperas baseadas em mitos medievais. É particularmente estonteante a utilização do tema da “Música Fúnebre de Siegfried” – da ópera “O Crepúsculo dos Deuses” ao final do filme.
Porém havia uma música no filme que eu ainda não conhecia e adorei ouvi-la. Ela toca durante a linda e florida sequência do “renascimento” do Rei Artur – e de toda a terra britânica – ao efeito do Santo Graal. Passei algum tempo sem saber que música era aquela – afinal não havia internet naquela idade média da informática – e só descobri depois de assistir ao filme em videocassete e poder pausar os créditos finais. Tratava-se de “O Fortuna” da cantata cênica “Carmina Burana” do compositor alemão Carl Orff.
Orff compôs esta cantata em 1936, utilizando textos e poemas profanos dos séculos XI e XII, ou seja, numa tentativa de aproximação ao espírito musical medieval mais realista do que as obras de Wagner.
A canção de abertura e de encerramento da cantata – e que aparece no filme – “O Fortuna” trata de um símbolo do mundo antigo, porém muito caro à mentalidade medieval, a Roda da Fortuna, que gira eternamente e traz alternadamente boa e má sorte aos homens. Muito bem encaixada no filme, pois mostra o Rei Artur e a própria Grã Bretanha saindo de um ciclo negativo para uma era mais propícia.
Um filme que merecer ser visto mais de uma vez e uma música que vale a pena ser ouvida com atenção, e na íntegra!