Patricia Finotti

Lumieira Comunicação / Ana Paula Mota

Produção goiana mergulha na história da “Galhofada – Mostra de Artes na Rua” que há duas décadas faz parte da memória afetiva de artistas e público de Goiânia, transformando arte em encontro, em memória e resistência no coração do Setor Pedro Ludovico

 

Em um tempo em que o efêmero parece ditar o ritmo da vida, um festival nascido no asfalto quente de Goiânia insiste em cultivar raízes profundas. Nos dias 7 e 8 de junho, sábado e domingo, o público de Goiânia terá a oportunidade de apreciar as primeiras sessões do vídeo-documentário “A Hora da Galhofa”, que mais que um produto audiovisual, é um reencontro com a memória afetiva de um território e com a força poética de um gesto coletivo que, há 20 anos, transforma todo um bairro numa ilha de riso, afeto e transformação social. A primeira sessão será no VeraCult Ponto de Cultura, que fica no Conjunto Vera Cruz, em Goiânia. Em seguida, a exibição do domingo será no Cineclube Zabriskie, no Setor Pedro Ludovico. Em ambas as sessões a entrada é gratuita, e pede-se a doação de 1 quilo de alimento não perecível. 

O filme, com 52 minutos de duração, é dirigido por Rô Cerqueira e Hélio Fróes e nasce como uma homenagem audiovisual à Galhofada – Mostra de Artes na Rua. Realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, através do Governo de Goiás e da Secretaria de Estado da Cultura, o documentário tem como ponto de partida os relatos de moradores do Setor Pedro Ludovico. Alguns deles nasceram após a criação da mostra e cresceram entre lonas, picadeiros improvisados e histórias contadas ao ar livre. Outros viram, ao longo das duas últimas décadas, sua rua virar palco, sua casa virar camarim, seu bairro virar cena.

Uma ilha de voluntariado e contribuições espontâneas

A Galhofada nasceu em 2004, fruto da urgência de levar ao público o espetáculo de rua “O cabra que matou as cabras” da Cia de Teatro Nu Escuro, que com o apoio da Oficina Cultural Geppetto e de grupos como Teatro que Roda, Teatro Reinação e Grupo Zabriskie, teve a iniciativa de realizar não somente uma apresentação, mas uma pequena mostra teatral. Nascia então a primeira Galhofada — um ato de ocupação simbólica e artística do espaço público.

E foi nessa mesma ilha que brotou, ano após ano, um dos festivais mais longevos e queridos da capital goiana. Um espaço onde a arte pulsa de forma orgânica, sustentada por chapéus passados, rifas solidárias, contribuições espontâneas e o mais valioso dos recursos: o envolvimento apaixonado de quem acredita que cultura não deve ser privilégio, mas direito.

O filme como veículo de diálogo, de contrapartida social e de descentralização da Galhofada

O Ponto de Cultura VeraCult se consolidou como um importante articulador do audiovisual em Goiânia, atuando a partir do Conjunto Vera Cruz, na região periférica da cidade. É nesse contexto que surgiu o FAVERA – Festival Audiovisual Vera Cruz –, hoje um dos principais eventos do setor na capital. A parceria com o VeraCult, para o lançamento do documentário, fortalece o alcance da Galhofada e contribui para aproximar novos públicos do projeto. “Essa colaboração está alinhada com a proposta de descentralização da Galhofada, ampliando seu acesso e impacto”, destacam os realizadores do documentário.

Além da exibição do documentário, todas as sessões contarão com rodas de conversa abertas ao público. Estes encontros pretendem ampliar o debate sobre memória, arte de rua, ocupação de espaços e políticas culturais, fortalecendo o vínculo entre o filme e as comunidades envolvidas.

A última sessão, marcada para a emblemática Ilha da Galhofa, contará com um debate especial realizado na Oficina Cultural Geppetto, reafirmando a importância desse espaço formativo e afetivo na construção da própria Galhofada.

Outra ação de contrapartida, vinculada ao Goiás Social, será uma campanha de arrecadação solidária que será lançada junto à estreia do documentário. A iniciativa pretende mobilizar o público das sessões em favor de uma instituição social, arrecadando alimentos não perecíveis. Mais do que um gesto simbólico, essa campanha reforça o espírito comunitário e colaborativo que sempre sustentou a Mostra.

Convivência, comoção e transformação comunitária

O documentário percorre toda a trajetória da Galhofada com lirismo e vigor documental, revelando não só as apresentações e bastidores, mas também os conflitos, as angústias e os momentos de superação que marcaram a história da Galhofada.

Um desses momentos, retratado com emoção no filme, aconteceu em 2014, quando um jovem da comunidade foi baleado durante o festival. O episódio poderia ter encerrado ali a história da Mostra — mas foi justamente o contrário. No dia seguinte, o festival se reinventou em um poderoso ato pela paz, com oficinas, cartazes e um grande abraço coletivo na Ilha da Galhofa. Porque onde havia medo, a comunidade decidiu plantar esperança.

Ao longo dos anos, a Galhofada se consolidou como território de convivência. A rua voltou a ser espaço de infância, de troca, de imaginação. Crianças que chegaram nos ombros dos pais hoje são adolescentes que ajudam a montar as lonas. Artistas de todo o Brasil se revezam em apresentações que misturam o riso com a reflexão, o circo com a denúncia, a brincadeira com a política.

A força do documentário está justamente nisso: revelar como um festival pode ser, ao mesmo tempo, espetáculo e espelho. Como pode fazer com que um bairro inteiro se reconheça, se reencontre e se reinvente a partir da arte. “A Galhofada é nossa!”, gritou uma moradora em uma das rodas de conversa captadas pelas câmeras. E é esse pertencimento que o filme eterniza.

Para Hélio Fróes, idealizador e um dos realizadores do documentário A Hora da Galhofa, o projeto carrega um envolvimento pessoal profundo. “Acompanho a Galhofada desde a primeira edição. É um grande prazer mostrar ao público esse olhar sobre os bastidores desse evento tão generoso. São centenas de artistas, milhares de pessoas no público, e sempre com esse espírito de doação, de um artista com o outro, criando esse laço com a comunidade que recebe o evento, que é o Setor Pedro Ludovico. É muito bonito ver a participação dos artistas e grupos de Goiânia, que se doam de coração aberto para a Mostra. É isso que queremos transmitir: esse espírito anárquico e coletivo da construção disso tudo… do cortejo, do trabalho na cozinha, dos bastidores da produção e da história que sustenta o evento”, afirma.

Já Rô Cerqueira destaca o impacto transformador do encontro com o teatro de grupo em Goiânia e a potência coletiva da Galhofada. “Vinha de uma realidade artística muito segmentada, e conhecer o teatro de rua foi um encantamento. A Galhofada surgiu num momento em que os grupos estavam fortalecidos, os projetos nascendo, os recursos chegando, e tudo funcionava porque havia uma consciência de coletivo. Isso me emocionou profundamente. É lindo ver um evento que só acontece porque todos vibram na mesma intenção. Jovens se profissionalizaram ali, crianças cresceram acompanhando a Galhofada. É algo que admiro muito e me sinto orgulhosa por poder contribuir contando essa história. E que venham ainda mais histórias para contar”, conclui.

A Hora da Galhofa estreia com sessões públicas e gratuitas em Goiânia. São convites abertos para reviver, celebrar e refletir sobre a potência transformadora da arte feita na rua, com o povo, para o povo.

SERVIÇO:

Estreia do documentário “A Hora da Galhofa”

Datas, horários e locais:

Sessão 1
07 de junho (sábado) – 19h
Vera Cult Ponto de Cultura (Rua VC 56, Qd. 113, Lt. 14 A – Conj. Vera Cruz, Goiânia)

Sessão 2
08 de junho (domingo) – 19h

Cine Clube Zabriskie (Teatro Zabriskie) ( Av. Antônio Martins Borges, 121 – Setor Pedro Ludovico, Goiânia)

Sessão 3
05 de setembro (sexta-feira) – 19h

Ilha da Galhofa (Alameda Henrique Silva – Setor Pedro Ludovico, Goiânia)

GRATUITO 

Mais informações: https://www.instagram.com/horadagalhofa/

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