
Ane Tavares
Em “Além do Horizonte”, Calzavara reúne pinturas, xilogravuras e impressões digitais em que reflete sobre ideias como o desejo e impossibilidade
A ideia de uma natureza idílica, que convida à contemplação, em contraponto a um sistema de controle, um radar que tudo vê e inspeciona, permeiam as reflexões da nova mostra da artista Ana Calzavara. Trata-se de Além do Horizonte, individual que estreia em 17de fevereiro na Galeria Marília Razuk, na qual a artista apresenta ao público um conjunto inédito de pinturas, impressões digitais (imagens manipuladas por ela mesma) e gravuras sobre madeira – sendo algumas gravadas pela própria artista, e outras, reinterpretações do “encavo à mão” de obras anteriores, agora realizadas em máquina a laser, propondo uma reflexão entre o gesto manual e mecânico.
Há trabalhos bastante relacionais, como a pintura Revoada (2021), a partir da qual Ana desdobra a imagem de origem em várias outras (imagens digitais e gravura) e dessa forma o sentido se compõe a partir da interação de vários meios, mais ou menos matéricos, que redundam em diferentes percepções. “Aquilo que na pintura é quase uma imagem romântica vai se diluindo nas impressões digitais”, explica a artista. Neste e nos demais trabalhos, Ana Calzavara conjuga referências antagônicas e convida o visitante a experimentar o mesmo.
O título da exposição alude à canção bastante conhecida de Roberto Carlos que traz o imaginário de um lugar intocável, a ser alcançado para o pleno desfrute do prazer de estar em meio à natureza. Simultaneamente, alude, também, ao Over The Horizon (Além do Horizonte), um sistema de radar de alta tecnologia restrito a poucos países – o Brasil entre eles. Situado no extremo sul do país, em uma praia de difícil acesso e controlada pela Marinha Brasileira, o sistema detecta alvos e movimentações a longas distâncias, a dezenas de milhares de quilômetros, para além do horizonte visual.
“Esse contraponto de desejo e impossibilidade me chamou a atenção. E também é um sinônimo de situações que vivemos cotidianamente, sobretudo nesse momento de ‘espera’ do mundo e, mais ainda, do Brasil em relação às eleições presidenciais ao final deste ano. Mais que isso, traz uma reflexão da própria arte como experiência espessa, mais profunda”, reflete Ana Calzavara.
A concepção do Além do Horizonte da artista é baseada, ainda, em leituras de obras dos autores Byung Chun-Han, Liv Strömquist e Ben Lerner. Esses autores, de formas particulares, refletem também sobre o impacto da mídia digital em nossas vidas, transformando nosso comportamento, nossa percepção e nosso pensamento. A arte é um lugar fundamental nestes tempos, capaz de fortalecer em grande medida nossa capacidade contemplativa e também nos conduzir a um estado de presença e criticidade.
Sobre a artista
Ana Calzavara nasceu em 1971 em Campinas, São Paulo. Seu trabalho desenvolve-se através de diferentes meios como a pintura, gravura, fotografia e mais recentemente, o vídeo. Embora expressões distintas, elas propõem um diálogo entre si, e, não raro, resultam em obras híbridas. Essa característica de estados liminares, do ‘estar entre’, pode ser pensada não só pelo uso que faz das diferentes linguagens em seus trabalhos, mas também pelas resoluções formais e seu próprio eixo conceitual – a variedade em como aborda a paisagem revela um espaço que está sempre prestes a se desfazer e, mesmo quando há a presença ou o diálogo de outros meios como a fotografia, o que vemos, na verdade, é um processo de dissolução do referente.
É bacharel em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Campinas (1992), pós-graduada em Pintura pela Byam Shaw School of Art, Londres (1998) e mestre e doutora em Poéticas Visuais pela Universidade de São Paulo (2012). Seu trabalho já foi exibido em exposições no Brasil e no exterior, a exemplo das individuais na Casa da América Latina, Brasíia, DF (2018); no Museu da Imagem e do Som, São Paulo, SP (2006); na Casa da Dona Yayá, São Paulo, SP (2006) e no Centro Cultural São Paulo, São Paulo, SP (2000).
Também participou de mostras coletivas como Xilo: Corpo e Paisagem, no SESC Pinheiros, São Paulo, SP (2019); 4 artistas paulistas, Instituto Moreira Salles, Poços de Caldas, MG (2019); Zureta – International Contemporary Printed Art Exhibition and Symposium, Tóquio, Japão (2018); Ser, habitar e imaginar, Concrete Space, Miami; VIII Premio Arte Laguna, no Arsenale de Veneza, Itália (2014); 8th Biennale internationale d’estampe contemporaine de Trois-Rivière, Canadá (2013); PRINTED, no Pratt Institute, Nova York, EUA (2008); L’art roman vu du Brésil, Anzy-le-Duc, França (2006); National Printing Exhibition, Londres, Reino Unido (1998), entre outras.
Em 2017, lançou o livro Ana Calzavara – entremeios, uma publicação da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) que reúne 20 anos de sua produção, entre pinturas, gravuras e fotografias.
Suas obras integram coleções de instituições como Museu do Douro, Portugal; Museu da Universidade de Tókio, Japão; Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS); Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC-RS); Museu de Arte Contemporânea do Paraná (MAC-PR); Museu de Arte Contemporânea de Santo André, SP; Universidade de São Paulo (USP) e do Museu Olho Latino, Atibaia, SP. Atualmente a artista é representada pela Galeria Marília Razuk.
Serviço:
Além do Horizonte, individual de Ana Calvazara
Local: Galeria Marília Razuk
Abertura: 17 de fevereiro, quinta-feira, das 19h às 22h
Período expositivo: 18 de fevereiro a 26 de março de 2022
Endereço: Rua Jerônimo da Veiga 131 – Itaim Bibi, São Paulo
Funcionamento: segunda a sexta, das 10h30 às 19h e sábado, das 11h às 16h
Contato: tel + 55 11 3079 0853 / contato@galeriamariliarazuk.