Patricia Finotti

Lumieira Comunicação / Ana Paula Mota

Neusa Moraes, Consuelo Nasser e Leodegária de Jesus ganham homenagem em grande obra de arte urbana, que celebra o legado feminino 

Goiás está prestes a receber um presente simbólico e inspirador: o projeto Luzes da Terra vai transformar uma parede do Câmpus Goiânia do Instituto Federal de Goiás (IFG) em uma tela da memória e do protagonismo feminino.

A artista visual Tchella Queiroga, reconhecida por seus grafites em tamanho gigante em prédios de Goiânia, e exposições em galerias diversas, pretende homenagear em sua nova obra três das inúmeras mulheres que marcaram a história cultural e social do estado: Neusa Moraes, Consuelo Nasser e Leodegária de Jesus. Estas protagonistas da busca pelo espaço da mulher na sociedade contemporânea serão eternizadas em um mural artístico que promete emocionar, educar e despertar consciências.

Este projeto foi contemplado pela Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) do Governo Federal, e operacionalizada pelo Governo do Estado de Goiás, por meio da Secretaria de Estado da Cultura, através do Edital do Edital de Fomento Ocupa Goiás 13/2024. 

Educação, inclusão e inspiração

Mais do que uma obra estática, o mural será uma ferramenta de educação cultural e reflexão social. O projeto inclui ainda uma oficina gratuita de grafite, voltada a jovens entre 15 e 25 anos, do próprio IFG, que terão a oportunidade de aprender técnicas básicas de arte urbana e se conectar com o processo criativo do mural. Serão 20 vagas para dois dias de formação. As aulas acontecerão dias 27 e 28 de junho, das 8h às 12h. 

O acesso à arte será verdadeiramente democrático e inclusivo, porque toda a estrutura do IFG já é pensado para oferecer acessibilidade, com rampas, banheiros adaptados e intérprete de Libras. Nas redes sociais, o projeto também adotará práticas de acessibilidade digital, com conteúdos em texto descritivo e vídeos legendados.

Um mural que fala com o coração e a consciência

A iniciativa não se limita a uma homenagem. É um chamado vibrante à valorização da mulher na construção da identidade goiana, um convite ao diálogo sobre igualdade de gênero e uma ponte entre passado, presente e futuro — tudo isso por meio da força expressiva da arte urbana.

A obra de Tchella Q., essa artista goiana, também mulher, também precursora do espaço feminino no graffite e na arte de rua, com reconhecida atuação em projetos de muralismo no estado e em outras regiões do país, garantirá à criação uma sensibilidade estética e uma força narrativa capazes de tocar o público em profundidade.

Ao retratar a trajetória de três mulheres fundamentais — e muitas vezes invisibilizadas — o projeto busca não apenas recordar, mas reconhecer e reverenciar. Neusa Moraes, Consuelo Nasser e Leodegária de Jesus representam diferentes faces da contribuição feminina para Goiás, carregando histórias de luta, talento e impacto que merecem ocupar espaços públicos e permanentes.

Um legado para Goiás e para o Brasil

Luzes da Terra vai muito além de tinta e parede. É um grito silencioso — porém poderoso — que ecoa o nome de mulheres que ajudaram a escrever a história de Goiás, e cujas vozes merecem ser ouvidas por todas as gerações. É um projeto que ilumina o presente com a força do passado, e planta, com cores vibrantes, sementes de futuro.

A arte, neste caso, não apenas embeleza: transforma, educa e une. O investimento público na iniciativa se justifica pela sua ampla capacidade de impacto cultural, social e educacional. O mural será um marco — físico e simbólico — da celebração do feminino, da luta por igualdade e da valorização da cultura goiana.

Porque quando a arte encontra propósito, a cidade inteira se transforma em luz.

Quem são as três mulheres homenageadas nesse projeto?

Três mulheres, três legados, uma mesma luz

No centro dessa grande homenagem, três trajetórias femininas se entrelaçam para formar o coração do projeto Luzes da Terra. Cada uma, à sua maneira, transformou o estado de Goiás com arte, coragem e compromisso social. A artista Tchella Queiroga, responsável pelo mural, terá a missão de traduzir essas histórias em cores e formas, criando uma narrativa visual que dialoga com o presente e projeta um futuro de igualdade e reconhecimento.

Neusa Moraes: a escultora da memória coletiva

Nascida na Cidade de Goiás em 1932, Neusa Rodrigues Moraes deixou um legado artístico que ultrapassa o campo da escultura. Formada pela Escola de Belas-Artes de São Paulo e professora da Universidade Federal de Goiás desde 1971, ela foi uma educadora apaixonada que formou gerações de artistas.

Sua obra mais emblemática, “As Três Raças”, concebida em 1967, ainda hoje provoca debates ao representar a miscigenação como fundadora da identidade goiana. Se por um lado a escultura celebra a união simbólica entre negros, brancos e indígenas, por outro, também convida à reflexão crítica sobre o silenciamento das violências históricas, como o racismo e o genocídio indígena.

Mas Neusa não se restringiu aos monumentos. Seu trabalho era um convite à reflexão pública e à integração entre arte e comunidade. Levou oficinas e exposições às periferias e ao meio rural, democratizando o acesso à arte. Participou da Bienal de São Paulo e foi premiada em salões importantes do Brasil. Neusa foi, acima de tudo, uma agente cultural incansável que moldou a identidade visual de Goiás com sensibilidade e força.

Leodegária de Jesus: a voz que rompeu o silêncio

Em um tempo em que mulheres negras sequer podiam cursar Direito, Leodegária de Jesus publicou seu primeiro livro aos 17 anos. Nascida em 1889, em Caldas Novas, ela foi a primeira mulher a publicar um livro em Goiás — “Corôa de Lyrios”, em 1906 — e uma das intelectuais mais importantes da história goiana.

Instalada ainda jovem na Cidade de Goiás, conviveu com nomes como Cora Coralina, participou ativamente do movimento literário local e fundou, ao lado de outras mulheres, o jornal feminista “A Rosa”. Atuando também como professora, jornalista e cronista, Leodegária rompeu barreiras de gênero e raça com elegância e perseverança. Escreveu sob pseudônimos para driblar o preconceito, criou o Colégio São José para a formação de moças e jamais abriu mão de educar e inspirar.

Seu legado literário ganhou novo reconhecimento em 2023, quando foi agraciada in memoriam com o título de Doutora Honoris Causa pela UFG — a primeira mulher negra a receber essa honraria pela instituição. Uma reparação histórica que reafirma sua importância como símbolo de resistência e potência intelectual.

Consuelo Nasser: a coragem de transformar

Jornalista, advogada, militante e visionária. Consuelo Nasser, nascida em Caiapônia em 1938, revolucionou a luta pelos direitos das mulheres em Goiás. De espírito combativo, começou sua trajetória como líder estudantil no Rio de Janeiro e, ao retornar para seu estado natal, fez da palavra sua principal arma contra as injustiças.

Criadora do jornal independente “Cinco de Março” e fundadora da Revista Presença, ela escancarou temas tabus como violência doméstica e desigualdade no mercado de trabalho. Em 1985, lançou o Centro de Valorização da Mulher (CEVAM) — um marco na assistência a vítimas de violência de gênero, oferecendo suporte jurídico, psicológico e social.

Consuelo era uma força da natureza. Sua atuação integrada entre mídia, política e ação comunitária impactou não apenas as mulheres diretamente atendidas por suas iniciativas, mas também as políticas públicas de proteção à mulher em Goiás. Até hoje, seu nome inspira prêmios, programas e ativistas que seguem seu legado de transformação.

Tchella Queiroga: a artista que transforma muros em vozes

A força por trás do projeto Luzes da Terra é uma mulher que faz da arte uma ponte entre passado, presente e futuro. Tchella Queiroga, arquiteta de formação e muralista por paixão, é hoje um dos nomes mais promissores da arte urbana goiana. Desde 2019, ela se dedica à criação de murais que não apenas colorem as cidades, mas contam histórias, provocam reflexões e ampliam vozes.

Com um traço firme, olhar sensível e técnica apurada, Tchella já integrou importantes iniciativas nacionais e internacionais, como o projeto “Voltando à Escola”, que leva grafite às salas de aula do Brasil; o festival internacional “Graffiti Queens”, dedicado às mulheres na arte urbana; e o “11º Aldeia SESC”, encontro cultural promovido pelo SESC.

Sua assinatura está presente em murais de grande impacto visual e simbólico, como os 200 m² da Loja Dom Gabriel, em Rio Verde; os 160 m² do Viaduto João Alves de Queiroz (T-63), em Goiânia; e os 138 m² do Espaço Esportivo Vila Maré, também na capital. Obras que revelam não apenas sua habilidade técnica, mas o desejo de criar arte que dialogue com o cotidiano das pessoas.

No projeto Luzes da Terra, Tchella vai além do pincel e da tinta. Ao idealizar um mural que homenageia três mulheres históricas, ela propõe uma experiência coletiva de memória e pertencimento. E reafirma seu compromisso com a inclusão ao oferecer, paralelamente à execução da obra, uma oficina de grafite para jovens, ampliando o acesso à cultura e incentivando novos talentos a ocuparem seus próprios espaços de expressão.

Tchella Queiroga não pinta apenas muros — ela pinta futuros. E ao fazer da arte um ato de resistência e celebração, transforma a cidade em galeria viva, onde cada traço é um convite a enxergar Goiás com outros olhos: mais sensíveis, mais justos, mais iluminados.

Serviço: 

Projeto Luzes da Terra – produção de mural por Tchella Queiroga homenageando três ícones femininos da história goiana

Datas: 

  • 01 a 31/5: Execução do Mural no IFG Câmpus Goiânia

  • 27 e 28/6: Oficina de Grafite para estudantes do IFG

  • 02/7: Entrega do mural 

Mais informações: https://www.instagram.com/tchella_q/ 

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