Projeto de Arte traz à tona denúncias ambientais e sociais

A crise da água faz parte das denúncias trazidas pelos vilaboenses. Recursos hídricos da região atingem níveis gravíssimos, ameaçando a existência dos rios, como é o caso do Bacalhau

 

Uma série de denúncias foi relatada à artista visual Vanessa Bohn durante a realização do projeto Audiografias, ocorrido na Cidade de Goiás durante os meses de agosto, setembro e outubro de 2017. Aprovado pela Lei Goyazes, o Audiografias é um estudo áudio-fotográfico da realidade, que visa trazer à público histórias de vida e, a partir delas, um pouco de entendimento acerca do fluxo social e cultural próprio de cada localidade. “Várias questões surgiram durante os depoimentos; denúncias bastante relevantes. O projeto acabou abarcando esse discurso político e de contestação”, diz a artista.

Dentre os problemas relatados e que têm angustiado o vilaboense está a gestão dos recursos hídricos da região. Segundo ela, “uma fala de tristeza e agonia permeou muitos dos depoimentos captados”, como o do geógrafo Rodrigo Santana. “O que garante a vida dos nossos rios é o cerrado preservado. Nos últimos 20 anos, vivemos uma expansão desordenada da cidade e da pecuária, que tem avançado em áreas extremamente sensíveis, ocupando faixas ciliares de rios, de recarga de aquífero, topos de morro… Essa é uma das questões mais preocupantes. Estamos matando nossas fontes de água”, revelou Rodrigo em entrevista à artista.

O cenário da indústria da agropecuária também foi abordado por outros entrevistados, como o professor Robson de Sousa: “Costumamos dizer que o que acontece aqui nessa região é uma ante-sala do que poderá acontecer na bacia do rio Araguaia. Mas a realidade é que esse problema já se manifesta, hoje, no Araguaia. A degradação ambiental chegou a níveis alarmantes no município. Mais de 60% do território municipal é capim exótico plantado para garantir a estrutura necessária para a criação de gado para corte. Isso atinge significativamente os recursos hídricos”.

O professor relatou, ainda, que na bacia do Bacalhau boa parte das 128 formas de afloramento de água está extremamente degradada pela expansão da pastagem. “Algumas, inclusive, pela compactação de solo devido ao pisoteamento do gado, não conseguem mais aflorar, o que vem reduzindo a disponibilidade hídrica do município e o quantitativo de mananciais que jogam suas águas no leito do Bacalhau. Esse é um dos fatores que vem levando à diminuição cada vez maior dos níveis e das cotas de vazão de água do rio”, afirmou o professor. A situação se agrava ao se constatar a ausência do poder público no “fazer cumprir as leis”. Segundo o professor, “não há no município nenhuma política efetiva de controle e manejo continuado das bacias. O plano nacional de recursos hídricos fez 20 anos em fevereiro, mas a execução, não só no município como no Estado, é nula”.

Violência histórica

Esse contexto de disputa de terra e poder revelado pelo poderio dos criadores de gado é histórico e se reflete na violência e discriminação narrada por vários entrevistados. “Ao percorrer o centro histórico de casas brancas e coloridas, não se pode imaginar quantas questões se escondem por traz dessa beleza”, observa Vanessa, que procurou, em sua jornada por Goiás, percorrer todo o município, deparando-se com vários contextos, principalmente o do ciclo do ouro, “que passa pelo índio, pelo negro e pelos bandeirantes paulistas, dando origem ao que conhecemos hoje pelo ser goiano”. O projeto explicita, por meio do rosto e da fala vilaboense, a mistura dessas várias culturas.

“Todas as minhas gerações de 200 anos pra cá são daqui. Tenho um pé na senzala, outro na casa grande. Tem uma mão dentro da taba e outra mão dentro da igreja”, disse Abner Curado à Vanessa ao elucidar a questão da miscigenação cultural. “Tal miscigenação cultural traz em si, por um lado, um modo de ser muito peculiar e admirável; por outro, traz histórias de muita violência que ainda pode se perceber no semblante e vida de alguns vilaboenses, como a de Dona Abadia (entrevistada durante o Audiografias), que viveu até a década de 1970 em regime escravo dentro da cidade e ainda hoje sente a força da exclusão”, conta a artista.

A artista explica que, além das denúncias ouvidas, o projeto propôs algumas provocações aos participantes, no intuito de entender mais sobre conceitos de família, Deus e a política. “Foi surpreendente entender que 90% dos participantes não quiseram se pronunciar em relação à política ou diziam que não gostavam do assunto. Acho que isso explica muito o que estamos vivendo: Uma apolitização em massa que acaba acorrentando o país nas mãos de grandes ursupadores”, diz Bohn. Ela finaliza: “Eu acreditava que o maior desafio do projeto seria fazer as pessoas se sentirem à vontade para falar, para colocarem suas crenças, sonhos e questionamentos. Agora, após o término da primeira etapa, de captação dos depoimentos, percebo que o desafio que se aponta vai muito além e segue no sentido de fazer essas vozes ecoarem a fim de que possamos traçar estratégias e ações efetivas para se construir um espaço mais humano”.

Sobre o projeto

A ideia do projeto nasceu há três anos, em São Paulo, onde ela deu início à investigação em torno do retrato, passando a experimentar novas formas de se construir imagens. Tais investigações lançaram Vanessa no universo da história oral, trazendo para o retrato a oralidade e a narrativa construídas pelas pessoas retratadas, o que a artista chamou de Audiografias. As audiografias se constroem no espaço de sobreposição e acúmulo de camadas imagéticas e sonoras, e é nesse lugar de construção que surgem os múltiplos indivíduos, com suas histórias, questões, contradições e sonhos. A primeira cidade do Brasil a receber o projeto foi a Cidade de Goiás. O resultado pode ser conferido pelo site www.goiasvelho.audiografias.com.br.

Sobre a artista

Vanessa Bohn é bacharel em Artes Visuais pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Cursou Cinema e Comunicação na FAAP e Fotografia na Escola Panamericana de Arte e Design. É a idealizadora do projeto Audiografias. Utiliza-se do conceito da fotografia expandida para abordar o mundo ao seu redor. A partir de uma investigação documental, transforma seu olhar em reflexões sobre o outro e o cotidiano, direcionando-se cada vez mais para pesquisas dentro da antropologia e para a expansão da fotografia enquanto imagem e espaço.  Atualmente trabalha no projeto Audiografias de Goiás, aprovado no Fundo de Arte e Cultura do Estado. Em paralelo à fotografia, desenvolve uma pesquisa sobre a desconstrução do significado das palavras, baseando-se principalmente em conceitos difundidos pelo filósofo pós-estruturalista Jaqcues Derrida, como Desconstrução e Différance.  (OlhO Comunicação)

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